6 de janeiro de 2010

Um pouco sobre o processo

Esse texto foi escrito em abril de 2009 para uma publicação que acabou não ocorrendo. Mas achei uma pena jogá-lo fora então resolvi agora colocá-lo aqui no blog, mesmo sendo bem pessoal e pouco objetivo.

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Entre Processos de Criação Artística - Passos de uma experiência universitária

Qual estudante não passa por um momento de angústia quando chega o momento de desenvolver seu Trabalho de Conclusão de Curso? Dependendo da área e da instituição, essa fase pode ser muito diversa. Mas em cursos de audiovisual muitas vezes isso significa a feitura de um filme, geralmente em grupo. As relações pessoais se misturam com as profissionais, e é importante perceber os limites, principalmente com a consciência das particularidades de se estar realizando o projeto também para se graduar.

Esse conflito entre fazer um filme meio “por vontade própria” e meio “por obrigação para concluir o curso” é crucial e acredito que o melhor é aproveitar ao máximo a oportunidade que a Universidade dá ao prover a situação e os recursos para essa realização. O recurso pode não ser tanto assim, normalmente bem longe do ideal. Mas o amparo que se recebe dos professores, e mesmo do nome da instituição atrelada, pode ser bem aproveitado para melhor se dedicar ao projeto no qual se acredita.

A possibilidade de usar laboratórios e o acompanhamento dos professores-orientadores podem ser fundamentais na realização do primeiro “grande” filme. Mas me parece um erro pensar no TCC como “primeiro” filme. Os vídeos feitos nos semestres anteriores também têm uma grande importância e, quando levados a sério, podem sim ter um grande futuro em exibições e festivais. Não menosprezar os trabalhos, mesmo os exercícios, realizados previamente ao TCC já é uma forma de se preparar de verdade para esse momento.

Além disso, o TCC não é exatamente onde vai ser “aplicado tudo que foi aprendido antes”, mas também é o filme no qual você vai aprender muita coisa nova, e não só reproduzir aquilo que aparentemente já sabe. O tempo de produção maior também faz com que essa experiência traga ainda mais dúvidas e conseqüentemente maior aprendizado.

Logo no início desse processo, observamos duas formas básicas de organização: ou um grupo se reúne em torno de afinidades comuns e depois pensa um projeto ou uma pessoa tem uma idéia e passa a agregar um grupo para realizá-la. Particularmente acredito mais na primeira opção e foi assim o início do projeto Entre Passos.

Nasce um processo
Algumas pessoas se reuniram com uma vontade de propor um TCC “diferente”. Ninguém sabia direito o que seria isso, mas alguma coisa lá dentro nos dizia que queríamos fazer algo minimamente fora dos padrões já estabelecidos nos Trabalhos anteriores. Não se tratava de querer um reconhecimento por mudar alguma coisa, mas uma busca pelo desconhecido e em abrir portas para a criatividade.

Começamos a nos configurar realmente como grupo quando surgiu o termo videodança nas discussões, trazido pelo Gustavo Fataki, bailarino do Grupo de Dança Contemporânea da UFSCar, que assumiria a direção de coreografia. Apesar de não ter um conceito fechado, esse termo, cada vez mais usado em festivais e editais nos circuitos de dança e audiovisual, nos pareceu uma boa oportunidade de explorar novas possibilidades dentro do curta-metragem, casando com os anseios do grupo que já vinha conversando sobre a possibilidade da inserção da dança no TCC.

Outra idéia que estava desde o princípio é que gostaríamos de utilizar técnicas de animação no filme. Ainda não sabíamos como, mas havia a certeza de que a animação teria que ser justificada na narrativa para valer o esforço da produção. Isso exigiu tratamentos do roteiro da Flávia Salvador em parceria com o diretor de animação, Thiago Rigolino, para uma real fusão entre a história e as formas a serem animadas.

A abertura ao diálogo era essencial, ainda mais em um ambiente universitário. Não só entre o grupo mas também na relação com os colaboradores. Reconhecemos a imensa ajuda dos assistentes, alunos e ex-alunos do curso, que integraram a equipe de mais de trinta pessoas. Isso sem falar no elenco, dez bailarinos que estiveram envolvidos nos três meses de ensaios que precederam as gravações.


Realização
Pela escolha da videodança, um termo relativamente novo, era importante um processo de pesquisa permanente. Além da tradicional busca por referências audiovisuais, assistíamos a espetáculos de dança sempre que possível. Alguns membros fizeram oficinas de videodança e aproveitei as férias para fazer um curso de dança contemporânea, uma experiência útil para o diálogo com o diretor de coreografia e com os bailarinos, além de sentir no corpo o que poderia trabalhar com o elenco.

Tudo isso foi acompanhado por um vivo caderno de anotações e muitas conversas com o grupo, mesmo que virtualmente. Criamos também um wikispace para compartilharmos online nossas primeiras experiências com todos os interessados. O registro deste material foi importante para a memória do processo, por valorizarmos o filme como aprendizado e não só como produto final.

Com elenco e roteiro definidos, entramos na rotina desmembrando a reunião geral em três: Produção (Produção Executiva, Direção de Produção e Assistência de Direção), Estética (Direção de Arte, Direção de Animação, Direção de Fotografia e Direção) e Roteiro/Conteúdo (Roteiro, Direção de Coreografia e Direção). Cada membro oficial tinha ainda reuniões com seus assistentes, de acordo com as necessidades específicas. Apesar de ter sido criticada durante a banca de avaliação, essa organização se mostrou muito útil. Os resultados, propostas e decisões eram sempre apresentados ao grupo todo nos encontros semanais sob orientação da Professora Luciana Araújo, o que mantinha a coerência entre as áreas.

Durante o processo, muitas vezes nos questionávamos porque estávamos trabalhando nessas condições: um elenco com pouca ou nenhuma experiência em vídeo; três locações, sendo uma delas externa e outra demandando uma pintura de arte trabalhosa; animação junto com o vídeo; máscaras encobrindo as expressões e dificultando a movimentação; movimentos de dança exigindo conhecimentos de uma outra linguagem, entre outros. Poderíamos ter feito uma videodança muito mais simples. Mas o “simples” nunca foi a primeira opção para esta equipe. Estávamos sempre em busca de algo minimamente diferente, novo. O desafio nos moveu desde o princípio, e é ele que nos alimentava a cada dificuldade.

Reflexão
Acredito muito na importância de refletir sobre o filme depois de pronto. No nosso caso, a própria Universidade nos exige isso, através de um relatório que é entregue, junto com o filme, aos membros da banca examinadora do TCC.

É no momento desta banca, aliás, que muita coisa vem à tona. Pela primeira vez pessoas analisam seu trabalho finalizado, e provavelmente pela última vez levando em consideração as intenções e condições expostas no relatório. Pois passado esse momento acadêmico, a obra audiovisual passa a falar por si, sujeita aos olhares, sentimentos e interpretações dos espectadores que encontrar pela frente.

É difícil deixar esse filho ir embora e seguir seu caminho. Sempre achamos que ele ainda não está pronto. Alguns filmes talvez nunca estejam, e vão se tornar os famosos “filmes de gaveta”. Mas, para evitar esse destino cruel, é preciso desde o princípio preparar-se para essa separação inevitável.

No caso do “Entre Passos”, isso foi feito com uma constante pesquisa da inserção da videodança nos circuitos de exibição. Isso não significa que deixamos de fazer o filme que queríamos em prol de algum festival ou edital, mas sim que estávamos atentos às oportunidades durante todo o processo. Assim, quando o filme ficou pronto, nada mais natural do que se dedicar à execução do plano de distribuição que foi sendo montado em paralelo à própria obra.

(Laura Teixeira, 08/04/2009)

6 comentários:

Unknown disse...

Ah, que legal ler esse texto. Um dia, já faz um tempo, eu entrei no site da RUA para procurá-lo e não encontrei. Não sabia que não tinha rolado.

Acho engraçado que mais de um ano depois de "pronto" a gente ainda tenha vontade de publicar o texto sobre a experiência, googleie o nome do TCC, defenda o blog em blogs alheios, ou venha aqui dar uma olhadinha (e ficar feliz ao se deparar com uma atualização... sinal de que mais alguém ainda passa - e para - por aqui).
Talvez isso seja efeito do tempo que levou para a realização do Entre Passos (não dá pra ficar mais um ano trabalhando ou pensando diariamente no TCC e depois simplesmente esquecê-lo, né?!), mas acho que é sobretudo um sinal de que o saldo dessa experiência foi positivo.
Que bom!

Laura Teixeira disse...

Aah Nely! Só vc pra me fazer valer a pena atualizar aqui! :) E concordo com vc... e o filme não acabou, a finalização ainda está em processo! heheh :)

Gustavo Fataki disse...

laura
parabens pelo texto
concordo e só concordo
apesar dos pesares e das dificuldades de um trabalho em equipe, ainda mais uma equipe que quer buscar o novo e o nada simples, sitando laura teixeira:
"Poderíamos ter feito uma videodança muito mais simples. Mas o “simples” nunca foi a primeira opção para esta equipe. Estávamos sempre em busca de algo minimamente diferente, novo. O desafio nos moveu desde o princípio, e é ele que nos alimentava a cada dificuldade."
foi muito bom trabalhar com vcs, e o resultado, maravilhoso, sinto muito orgulho, e em especial orgulho por ter conhecido e vivido com vcs, como ultimamente tenho sentido saudades de vcs, a vezes bate uma vontade imensa de produzir um novo videodança, e corrigir os "erros" e as dificuldades tidas em entre passos... bem do só reiterando a nely, eu acabei de ver a defesa dela no blog alheio, muito bacana e chique essa nely, parece até um doutora pos graduada ou uma "sei lá o que" no melhor dos sentidos, parabens nely, eu até antes de ler seu comentario enquanto lia o post, estava pensando em responder algo, mas acabei deparando com seu comentário, saudades da melhor assitente de direção que conheci...
bem saudades imensa de todos e finalizo o meu comentario postando algo qu escrevi na epoca do processo do entre passos para definir a minha pessoa, mas creio que cabe ao filme e cabe ainda a mim ou talvez não caiba a nada, mas estou com vontade de relê-lo e aqui coloca-lo... do mais obrigado laura por tudo.
"um corpo em
confusão e efusão

em movimento constante
que ama o que faz, dança

um corpo com
dúvidas e soluções
sem rumo desnorteado

um corpo
em busca de si mesmo
tentando se conhecer
tentando se entender

um corpo
em conflito


atualmente um corpo entre passos"
saudades de todos...

Laura Teixeira disse...

Fataki, adorei suas palavras e seu poema! Acho que representa bem um sentimento que se certa forma também nos unia enquanto grupo, pois cada um a sua maneira se encontrava em conflito... e podermos colocar isso na nossa expressão criativa (e coletiva) foi mesmo uma ótima experiência!
Que os próximos passos nos traga mais oportunidades boas como essa... :)

Flávia disse...

Poxa, que bonito tudo isso!
Eu quase não entro no blog e, mexendo hoje, fiquei muito contente em saber que mais gente vem aqui.
Todas as vezes em que assisti ao filme, sempre descobri algo novo. E continuo descobrindo.
Fataki, acho que seu poema diz bastante de muita gente, assim como aquelas pessoas no salão! hehe
um beijo a todos!

Unknown disse...

"Acho engraçado que mais de um ano depois de "pronto" a gente ainda tenha vontade de publicar o texto sobre a experiência, googleie o nome do TCC, defenda o blog em blogs alheios, ou venha aqui dar uma olhadinha (e ficar feliz ao se deparar com uma atualização... sinal de que mais alguém ainda passa - e para - por aqui)."

Olha eu aqui 5 anos depois desse comentário... ainda volto!